A despeito do Aquecimento Global leia, na íntegra entrevista concedida à jornalista Daniela Chiaretti, do jornal Valor Econômico pelo físico e metereologista José Marengo, um dos 1.729 autores do relatório e o único representante do Brasil na conclusão do sumário para formadores de políticas, divulgado nesta segunda,31.
Valor: No quesito água, há risco também com os lençóis freáticos, não só com fontes superficiais?
Marengo: Lençóis freáticos são alimentados com água de chuva. Se a chuva parar não haverá nada que os alimente.
Valor: O que se diz sobre a Amazônia e a tundra boreal?
Marengo: Há alguns anos modelos mostraram que a partir de 2050 a floresta amazônica poderia sofrer uma savanização. Ela poderia parar de funcionar como um sumidouro de carbono e agir como uma fonte, mas sobre isso as incertezas são grandes. A floresta pode ser afetada, mas chegar a nível de savana parece pouco provável, embora não impossível. No caso da tundra trata-se da liberação do solo congelado, o permafrost, e isso pode significar a liberação de um volume gigantesco de metano. É um gás-estufa gravíssimo. Esse fato pode neutralizar qualquer medida de mitigação. Seria uma catástrofe. É o que se chama de mudança abrupta e irreversível. Há estudos sobre isso, mas não há certeza absoluta.
“Culturas da cesta básica mundial, como batata, milho e trigo, estão em risco. Pode haver perda de 25% na Produção”
Valor: E as perdas na economia?
Marengo: O cálculo é: com um aumento de temperatura de 2°C, pode-se chegar a uma perda entre 0,2% e 2% do PIB dos países. Depende do padrão de desenvolvimento do país, do nível de riqueza, da sua distribuição de pobreza etc.
Valor: Qual o efeito na indústria de seguros?
Marengo: Em alguns países, as pessoas asseguram suas propriedades contra furacões e desastres. Mas as companhias de seguro costumam ser relutantes em trabalhar com pequenos produtores ou famílias pobres, porque é um risco alto. Mas no mundo todo o setor começa a trabalhar assim.
Valor: Há bala de prata para a adaptação? O modelo de um país pode ser exportado para outro?
Marengo: A adaptação muda geograficamente e depende do contexto. Não existe uma única forma de enfrentar o problema. Pode-se desenvolver uma estratégia para um país, mas não significa que funcione em outro. Os planos têm que integrar os diferentes níveis de governo, todos falando a mesma língua. Exige integração também com a população.
Valor: O que é má adaptação?
Marengo: É uma forma de adaptação que não funciona e provoca uma situação pior que antes. Acontece uma seca e os governos começam a mandar cestas básicas, por exemplo. Acaba a seca, acaba a cesta básica. Mas se no futuro existe probabilidade de seca permanente não vai ter cesta básica eterna. O ideal é que a população se adapte a esseClima futuro. O assistencialismo não ajuda a adaptação, só cria dependência.
Valor: Quando adaptar pode ser mais fácil e barato?
Marengo: Se a mitigação for intensa. Mitigação é reduzir a emissão de gases-estufa e assim reduzir a intensidade do aquecimento. Se o aquecimento for menor, a adaptação será mais fácil. Se não houver corte nas Emissões e o aquecimento disparar, não haverá adaptação que funcione. Mitigar significa mudança no paradigma cultural e social, na estrutura de governo, no padrão de uso de energia. Tem que ser uma mudança radical.
Valor: Vocês reforçam a cifra que está na mesa das Negociações internacionais: dizem que serão necessários US$ 70 a US$ 100 bilhões ao ano de investimento nos países em desenvolvimento entre 2010 e 2050 para a adaptação.
Marengo: Esse é o custo da adaptação. O problema é quem paga a conta. EUA e Europa dizem que Brasil, Índia e China também são poluidores e são mais desenvolvidos do que os não desenvolvidos. Que têm um grau de participação e também deveriam pagar. Mas aí vem a questão da responsabilidade histórica: Reino Unido e EUA poluem há mais tempo, os emergentes estão poluindo nos últimos anos. Há todos esses entraves.
Valor: Cientistas sugerem que se coma menos carne. Por quê?
Marengo: O gado é forte produtor de metano, que é um gás-estufa mais perigoso que o CO2. Mas é algo radical. Obviamente a carne bovina é fonte de proteínas que não pode ser rejeitada. Agora, a redução do volume de cabeças de gado seria algo que poderia ajudar bastante como medida de mitigação.